terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Apocalipsa

Bom dia, meu amor.

Espero que tenha dormido bem. Os últimos dias foram bem frenéticos e, eu não vou mentir pra você, as coisas prometem ficar cada vez mais complicadas daqui pra frente.
Eu vou te contar o que aconteceu do jeito que eu lembro. Sente-se, fique a vontade. Vou tentar falar devagar pra você digerir toda essa informação.

Em 2015 houve o Primeiro Apocalipse, lembra dele? Quando aquela erupção colossal no fundo do oceano criou tsunamis gigantescos. Ninguém esperava por isso. Achavam que o fim viria com um meteoro, uma guerra ou o aquecimento global. Achavam que viria de cima, não de baixo. Ninguém previu as ondas gigantes. Devastaram o mundo todo...
As placas tectônicas se deformaram completamente, toda a geografia do planeta foi modificada. Se antes a água ocupava dois terços da superfície terrestre, agora devem ser uns nove décimos. Coincidência ou não, diz-se que pelo menos 90% da população humana foi dizimada. Mas nada disso se trata de um dado concreto, é claro. Ninguém tem certeza de nada. Como teriam?

E a radiação... Todas aquelas usinas sendo destruídas. Tanta coisa embaixo d’água, tanta coisa no ar. O pouco que sobrou está em pedaços. Os animais e as plantas estão completamente desajustados até hoje. O equilíbrio já era.

Só sobrou o caos.

Mas eles não pararam com isso. Não... Os humanos, apesar de tão frágeis, conseguem ser incrivelmente insistentes. Eles tem algo que faz eles se agarrarem a vida com unhas e dentes, sabe... Medo, talvez?

As antigas fronteiras já eram. Milhões de dados foram destruídos. Velhos sistemas, hábitos e burocracias já não existem mais. Nem faria sentido...
Agora existem novas terras com novas regras, novas ideologias. Novas personalidades estão se erguendo da fumaça. Novos... Heróis. Por que não? Novos heróis.

Eles juntaram o que puderam da tecnologia, mas isso não representa muita coisa. Muitas sabedorias antigas foram resgatadas agora. Estão usando navios a vela, lampiões, livros... O novo e o velho se misturaram de repente. Velhos preconceitos e medos morreram. São superficiais demais, eles darão espaço pra versões mais atualizadas.

As grandes massas não mandam mais. Com o fim da mídia instantânea, cada um tem o direito de acreditar no que quiser. Abalados pela destruição, ninguém tem como provar muita coisa. Eles se agarraram em qualquer coisa que pudesse lhes dar mais esperança. Velhas religiões, velhas crenças, velhos folclores... Velhas magias.

Magia.

Dizem que ela funciona, mas são só histórias por enquanto. Agora eles acreditam nela, e ela acredita neles. Como sempre, eles temem e respeitam o desconhecido. E o desconhecido é muito mais abrangente nos dias de hoje. As coisas não são mais tão... óbvias.

E, nessa nova fase da humanidade, de abertura para novas crenças e conhecimentos, histórias brotaram por toda parte. Lendas. Contos sobre novas criaturas no mar profundo, ilhas estranhas, seres místicos que sempre estiveram ali, mas até então jamais haviam se atrevido a viver ao ar livre.

Entre essas lendas, a que mais repercutiu e talvez a mais importante é a de Apocalipsa. Um tesouro ancestral com a capacidade destrutiva de varrer o mundo. Dizem que ele existe desde o início dos tempos, e que estava secretamente sob guarda de um grupo desconhecido de humanos que o prendiam a sete chaves. Aparentemente para impedir que chegasse em mãos erradas...

Mas, com o fim, esses humanos sumiram. Tragados pelo mar como quase todo mundo, provavelmente. Há quem diga que o Primeiro Apocalipse em si foi causado por eles próprios. O tesouro, contudo, permanece intacto. Perdido, sem dono, em algum lugar dessa nova e selvagem Terra.
Dizem que quem conseguir encontrá-lo será o novo governador da humanidade. Alguém com poder o bastante para fazer curvar-se todo o resto da raça humana e, quem sabe, até mesmo as outras...

É... Muita coisa aconteceu. E esse é só o começo, uma introdução pra que você entenda melhor as histórias que eu vou te apresentar. Histórias sobre pessoas corajosas, que abriram mão do medo e se jogaram de cabeça no desconhecido. Pessoas que não são necessariamente boas nem ruins, mas que, assim como eu e você, possuem seus próprios objetivos e suas próprias visões de mundo. E elas lutam por esses objetivos. Lutam com uma paixão que você só vê em cenários catastróficos como esse, do tipo que empurram um ser humano até o seu limite.

Mas não se assuste com nada disso, por favor. Pra começar algo novo, outra coisa tem que terminar. É triste, eu sei, mas é assim que é. Não tem muito o que a gente possa fazer pelo que já passou. Lembre-se, querida...

… Esse é só o começo...



Há quem reclame de problemas, há quem resolva problemas...

e há quem reclame e resolva ao mesmo tempo.
Capitão Francis Franco era uma dessas pessoas.
Francis, ou Fran, ouviu falar de Apocalipsa. Também ouviu falar que o reino de Januário enviou um navio da Marinha para encontrá-lo. Mas Fran não achava que algo tão supremo devesse ser usado por um governo para comandar os outros. Fran sempre teve uma forte ligação com a religião, e portanto acreditava que os homens não tinham o direito de agir como deuses entre eles. Já que ninguém faria nada a respeito, ela tinha que fazer alguma coisa.

O quê?

Oh, sim... “Ela”. Eu disse “ela”...

- Capitão Franco! - Gritou a primeira imediata, invadindo a cabine do capitão de supetão e dando um susto em Fran.
- Porra, Val! Eu já falei pra parar de me chamar assim. É capitã, cara. - Disse a capitão, ajeitando a postura em sua cadeira.
- Nada a ver, Fran. O certo é capitão, não existe um jeito feminino de chamar. - Explicou a primeira imediata Val Valeska, com um tom debochado.
- Tá, mas é o meu navio e sou eu quem decide, caramba! - Ela falou como se estivesse brava, mas estava rindo ao mesmo tempo.

Val também riu. Elas sempre se deram muito bem, levando as coisas nesse clima jovial e encarando os problemas juntas.

Capitão Fran era uma negra belíssima, de olhos finos e muito magra. Ela já foi modelo nos tempos do mundo velho, antes do Apocalipse. Tinha boa fisionomia pro trabalho. Seus cabelos encaracolados eram bastante volumosos e eram sempre bem cuidados, na medida que ela conseguia cuidar deles em uma velha nau. Ela se vestia como uma capitã pirata digna. Roupas de pano com cores fortes, uma bandana vermelha detalhada em branco, calças coladas, botinas pretas, jóias. Quando a situação estava calma, ela se apresentava para seus tripulantes com uma bengala de detalhes em ouro. “O estilo estimula o respeito”, ela dizia.

A primeira imediata Val era o oposto de Fran em quase tudo. Onde Fran era delicada e fresca, Val era vigorosa e debochada. Ela era branca, de um belo rosto e um sorriso de uma sinceridade encantadora. Mais rechonchuda, mas não gorda. Até porque era uma pessoa atlética, boa de briga. Val fazia o tipo que podemos chamar de ossos largos, apenas. Como primeira imediata, ela usava de seu carisma pra manter a tripulação unida e fazia boa parte do serviço pesado de confiança. Com uma camiseta que lhe deixava mais a vontade e uma flanela a disposição no cinto, Val estava sempre pronta para o trabalho. Mas não se engane, isso não era motivo para ela não manter a feminilidade. Seu cabelo quase sempre preso, com uma mecha rebelde que ela tinha que guardar atrás da orelha, lhe dava um ar de certo refino. Um charme a parte.

As duas, mais a segunda imediata, eram três amigas que viviam no mesmo apartamento até o Primeiro Apocalipse. Com toda a catástrofe, a destruição e o novo estilo de vida, elas acabaram tendo que se separar. Naquele momento, cinco anos depois, estavam reunidas de novo. Fran comprou um navio, o “O Perseguidor”, e juntou uma tripulação ilegal, partindo do porto de Januário para vencer a corrida contra o navio da Marinha “S.S. Lovemaster” que foi enviado para encontrar e adquirir o tesouro Apocalipsa.

O objetivo da capitão Fran era simples. Ela estava determinada a encontrar o tesouro e destruí-lo de uma vez por todas. Ela não gostava de imaginar o que aconteceria se Januário conseguisse aquilo, e muito menos se outro governo conseguisse. O homem ainda não estava pronto para um poder como esse. Aliás, em suas próprias palavras, “não tem motivo nenhum pra isso existir, cara. Mas que merda!”

A partir de atos ilegais (nos limites do que a fraca lei atual consegue influenciar), a tripulação do O Perseguidor juntou mantimentos e armamentos e partiu para o alto-mar. Não havia uma direção exata para seguirem, até porque eles não possuíam qualquer pista da localização do Apocalipsa. Mas elas tinham a rota de viagem de seu rival, o S.S. Lovemaster, e esse era um ótima ponto de partida.

Fran não se orgulhava das coisas que teve que fazer, mas seu consolo era saber que estava na linha de frente da luta por uma causa que iria salvar a humanidade de um novo fim, que talvez pudesse ser o definitivo. Ela era uma capitão pirata agora, e sua tripulação comandada por amigas de confiança e habilidade era fiel a seus comandos até o fim. E, se era pra ser assim, então ela seria a maior capitão que esse mundo novo já viu. Um dia, quem sabe, entraria pra história.

- Avistamos uma ilha, Fran. - Continuou a primeira imediata Val. - O Lovemaster vai aportar lá, é quase certeza.
- Ótimo. - Disse Fran, decidida. - Tentem não levantar suspeita, vamos aportar longe deles.
- Ok. Posso dar a ordem?
- Sim, por favor.

Val saiu da cabine, deixando Fran sozinha com seus pensamentos.
Agora era pra valer, ela ia lidar com marinheiros de verdade. Gente com armamento pesado, um juramento de lealdade e uma recompensa gorda esperando na volta da viagem. Fran se perguntou até que ponto estava disposta a deixar que sua tripulação desse a vida pela causa...

Saindo para o deque, Val teve que fechar os olhos por um instante até se acostumar com a claridade. O céu estava limpo, e o Sol a pico. Esse seria um longo dia, sem dúvida...

- Ai gente, eu não aguento esse Sol. - Disse uma voz vinda de cima, que aparentemente falava sozinha.

No alto do mastro, na cesta de observação (cujo nome original é caralho, o que deu origem a uma série de expressões pejorativas), uma bela loira se apoiava limpando o suor da testa.

- Pronto, Alana. Voltei. - Disse Val, escalando a rede para alcançá-la lá em cima.
- Ai cara, por que justo eu tenho que ficar aqui em cima? - Ela reclamou com a voz arrastada, como quem já estava sofrendo há horas.
- Alana, eu te deixei aqui rapidinho enquanto ia falar com a Fran. Você não ficou nem cinco minutos! - Val lhe disse, rindo de seu drama. Geralmente ela não teria tanta paciência para as dramatizações da segunda imediata Alana, mas naquele dia ela estava de bom humor.
- Ai... Mas é difícil pra mim, cara! Eu tenho alergia, esse Sol me deixa toda manchada. Olha isso! Ai, cara... - Ela mostrou o antebraço, que estava branco como todo o resto do corpo e, na claridade, definitivamente não demonstrava qualquer diferença.
- Tô vendo, Alana... - Mentiu Val, logo desviando o olhar. Talvez tivesse mesmo alguma mancha minúscula ali, mas nada que realmente desse pra notar. Além do mais, agora ela tinha preocupações mais importantes. - Me passa a luneta. - Ela pediu.
- Ai, toma. Eu vou descer, não aguento mais ficar aqui em cima.
- Ok, Alana. Obrigada, viu?
- De nada...

O agradecimento foi sincero. Val sabia que, para a segunda imediata, aquele havia sido um terrível sacrifício. Apesar das frescuras sem precedentes, ela as vezes fazia esses esforços pelo grupo. No fundo, era uma boa menina.

Lembra que eu falei que existem pessoas que resolvem problemas e pessoas que reclamam deles? Então. Se a Val estava no primeiro grupo, a Alana sem sombra de dúvida entrava no segundo.

Ela era magra, branca, loira, muito bonita, muito bem vestida. A aparência de dondoca era um reflexo direto da personalidade. O mundo, na visão de pessoas como a doce Alana, é um lugar mais terrível que o sétimo círculo do inferno. Não havia absolutamente nada que escapasse de suas constantes reclamações. A despeito disso, ela era uma companhia muito agradável se você tomasse um tempo pra conhecê-la melhor. Ela tinha esse defeito, é verdade. Mas todos nós temos os nossos.

Como segunda imediata, seu papel na nau era... Bom, até hoje eu não sei ao certo. Mas, por bem ou por mal, ela sempre quebrou um galho quando necessário.

Descendo pela rede do mastro, ela se dirigia até a cozinha para ver se sobrou alguma coisa do almoço.

Val observava pela luneta o S.S. Lovemaster. Ela sempre tinha um calafrio na espinha quando via aquele monstro de longe. Era um navio de guerra movido a vapor, com dezenas de canhões e toneladas de aço e ferro. Em um embate direto, o pobre O Perseguidor jamais teria uma chance. A tripulação de marinheiros aparentemente estava preparando-se para aportar. Eles paravam próximos da praia rasa, jogando a gigantesca âncora ao fundo.

- Alana! - Val interrompia a segunda imediata a caminho da cozinha. - Vamos desviar pelo leste, tem uma outra praia ali! Afastem-se daqui a toda velocidade! - Ela ditou a ordem, vigorosa.
- Quê? - Perguntou Alana, sem tanto vigor.
- Desviar pelo leste! Afastar a toda velocidade!
- Ah... Ok. - E então, repassando para o pirata mais próximo, ela deu a largada para a gritaria. - Desviar pelo leste. Afastar a toda velocidade.

- DESVIAR PELO LESTE! - Gritaram uns aos outros, conforme iniciava a correria para virar as velas. - DESVIAR PELO LESTE! TODA VELOCIDADE!

O Perseguidor podia não ser grande, ele podia não ser a vapor, mas ele era leve e rápido, dando razão ao seu nome. Desde que saíram do porto de Januário, ele não perdeu o S.S. Lovemaster de vista sequer um segundo.
E agora, estavam ali, naquela ilha tropical.

Fran, no deque observando a ilha que iriam atracar, se perguntava o que diabos os marinheiros vieram fazer ali. Será que o Apocalipsa estava tão perto? Foram apenas duas semanas de viagem...

Não, devia ter alguma coisa importante para ser feita antes. Um tesouro desses não é tão simples de se capturar. Não é só desenterrar e ir embora. Seja como for, ela iria descobrir. E ela iria chegar primeiro.

Ou ao menos eram essas suas intenções.





Capitão Francis Franco e segunda imediata Alana, d'O Perseguidor






Primeira imediata Val Valeska, d'O Perseguidor




- Afunde aquela nau, tenente-capitão. Não deixe prisioneiros.
- disse a voz autoritária do outro lado do rádio.
- Entendido, almirante. - Respondeu o tenente-capitão Xande Xandão, do S.S. Lovemaster. - Câmbio.
- Câmbio, desligo. - Decretou o almirante, terminando a ligação.

Levantando da poltrona, Xande Xandão pendurou o microfone do rádio no suporte da parede.

- Tá bom que eu vou afundar a nau... - Ele resmungou sozinho, ironizando a ordem que acabou de receber. - Espera sentado.

Ele saiu da cabine de comunicação, e não precisou fechar os olhos devido ao Sol. Isso porque tinha um quepe da marinha muito estiloso.

- Primeiro-tenente, tô gato? - Ajeitando o quepe, ele brincou com a primeiro-tenente Raquel, que o aguardava ao lado da porta.
- Haha! Como sempre, capitão. - Ela respondeu. Não como uma subordinada que puxa o saco, mas como uma amiga incentivadora.
- É. Eu sei.

Xande Xandão era um rapaz franzino, magro, de olhar calmo e pele branca que na verdade estava sempre rosada, queimada pelo Sol. Apesar da aparência inofensiva, ele tinha uma personalidade forte. Digna de um homem. Sempre confiante, galanteador. Sempre reclamando do que não está bom o bastante para seus altos parâmetros. Foi essa personalidade que o fez subir de cargo tão rápido. Isso e os contatos certos, é claro.

Em apenas cinco anos, ele subiu até o posto de tenente-capitão, e agora possuía a patente mais alta deste navio de guerra, com duas centenas de homens e mulheres treinados às suas ordens.

- E a nau que vinha perseguindo a gente, primeiro-tenente? Onde está? - Ele perguntou, conforme caminhava pelo enorme deque de metal cercado de marinheiros trabalhando. Eles estavam na rotina básica de atraque, aportando o navio para o desembarque.
- Tudo conforme esperado, capitão. - A pequena garota respondeu, caminhando a seu lado com passos apressados. - Eles estão desviando pelo leste. Provavelmente vão aportar na outra praia.
- Ótimo.

Depois de caminharem por mais alguns metros, chegaram ao extremo da popa do navio, onde estava um marinheiro uniformizado de alta patente. Ele estava observando o horizonte com um binóculo.

- Capitão! - Disse ele, prestando continência quando Xandão se aproximava.
- Descansar. Conseguiu ver a nau, Flávio?
- Sim senhor. - Respondeu Flávio, com o binóculo, acompanhando a nau com a vista. - Eles tão indo pro leste mesmo...
- Eu falei, não falei? - Disse Raquel.

Flávio e Raquel eram membros particularmente especiais da frota do tentente-capitão Xande Xandão. Ela, baixinha, negra, prestativa, empenhada. Ele, alto, branco, de cabelo castanho-claro com um pequeno topete, igualmente empenhado. A inteligência de um só podia ser comparada com a do outro. Suas habilidades e raciocínio eram de grande valia para o navio, e Xandão tinha a certeza de mantê-los sempre por perto. As vezes eles discordavam, mas em geral tendiam a chegar na melhor conclusão quando trabalhavam juntos.

Flávio sabia que estavam sendo seguidos desde o terceiro dia de viagem. Quando a nau se afastou, alguns acharam que ela ia seguir seu próprio caminho, mas ele sabia que ela estava apenas aproveitando as correntes de vento para continuar acompanhando o S.S. Lovemaster. A ideia de despistá-la nessa ilha foi dele.
Raquel, por sua vez, foi quem preveu a reação da nau. Ela imaginou que ela atracaria na praia mais distante da ilha, à leste, tentando despistar-lhes. Essa era a chance para que eles continuassem a viagem.

- Você sabe o que eles querem com a gente, tenente-capitão? - Perguntou Flávio, descendo os binóculos.
- Sei, sim. - Respondeu Xandão, revelando que andou fazendo a lição de casa. - Aquele é o O Perseguidor. Eles querem o Apocalipsa. Mas, se tão se arriscando a seguir a gente assim, é porque eles não tem nenhuma pista. Agora prestem atenção... - Ele continuou. - Eu recebi ordens expressas de afundá-lo. Mas não vejo necessidade disso, não somos assassinos. Estou confiando em vocês. Nós vamos despistá-los, assim eles não vão ter nenhuma pista pra continuar a viagem, e isso vai ser o bastante pra não incomodarem mais. Eu mesmo vou contatar o Almirante e informar que a nau foi abatida.

Era estranho o capitão ter tantas informações sobre aquela nau até então desconhecida, mas não houveram indagações. Além disso, sua ordem não-oficial era uma afronta direta ao juramento de obediência, e poderia haver sérios problemas para todos caso descobrissem a farsa.

Após um segundo de silêncio, os dois subordinados responderam quase em uníssono:

- Sim senhor, senhor.
- Ótimo. Agora dêem o comando para zarpar. Eles já sumiram da vista. Quando descobrirem que nós fomos embora, já vai ser tarde demais.
- Sim senhor. - Disse Flávio, afastando-se para fazer cumprir a ordem.

Os marinheiros ficaram confusos quando foram ordenados a interromper o procedimento de desembarque e iniciar imediatamente o procedimento de partida, mas obedeceram sem questionar. Em alguns minutos o S.S. Lovemaster deixaria esta ilha na qual mal aportou.

- Você tem certeza que a ilha é segura, Xande? - Perguntou Raquel, apoiando-se na grade da beirada do navio.
- Sim, sim. Ela já foi explorada antes, está no mapa. Nós ainda não entramos no perímetro marinho inexplorado, então tudo por aqui é seguro.
- Ok. Se você diz, então tá bom. - Ela aceitou, endireitando-se e afastando-se do tenente-capitão.

Deixado sozinho, Xande então foi até a sua cabine pessoal. Ela era muito mais luxuosa do que a cabine da capitão Fran no O Perseguidor. Havia uma bela decoração, uma escrivaninha grande, uma visão ampla do mar e até um microfone conectado a altos-falantes por todo o navio, para avisos gerais.

Ele tirou a pesada e imponente farda, revelando seu porte magro, e pendurou sua espada na parede. Mas ele não foi ali pra relaxar.

Primeiro Xandão envolveu sua mão com um pano. Então, abaixando-se atrás da escrivaninha, ele abriu uma gaveta e pegou uma curiosa garrafa de vidro. O conteúdo estava completamente congelado, e uma névoa branca ali dentro impedia que ele visse qualquer coisa.
Jogando-se sobre a poltrona, ele encarou a garrafa por longos momentos. De acordo com as instruções que recebeu, era aquilo que o levaria para o Apocalipsa. E ele já tinha uma vaga ideia do que faria a seguir.

O tenente-capitão era um homem cheio de mistérios.

Enquanto isso, na ilha tropical, piratas desciam do navio para a areia da praia, sacando suas espadas e pistolas e esperando pelas ordens da capitão. Eles estavam animados. É sempre bom partir para ação depois de um longo tempo de viagem tranquila. O que nem eles, nem o tenente-capitão do S.S. Lovemaster sabia, é que alguns daqueles homens jamais sairiam vivos de lá.



Tenente-capitão Xande Xandão, do S.S. Lovemaster



Segundo-tenente Flávio e primeiro-tenente Raquel, do S.S. Lovemaster



Eles não estavam preparados.
Sabe o que mais fez falta para os humanos depois do Primeiro Apocalipse? A Medicina.

Eles regrediram muito nesse sentido. Toneladas e mais toneladas de remédios foram levadas pelas águas. Uma simples febre poderia significar o fim agora. Apenas cinco anos depois eles ainda não haviam percebido isso, mas a expectativa de vida havia reduzido.

E reduziu muito.

- O que tá acontecendo com ele?! - Em choque, gritou a capitão Fran enquanto tinha em seus braços um de seus homens completamente alucinado.

Eles eram uma expedição de apenas oito. Estavam no meio da mata quente e fechada, forçando uma trilha com seus facões e espadas, quando o homem repentinamente caiu no chão. O pirata estava fervendo. Sua pele, pálida. Ele olhava para cima e tremia enquanto balbuciava palavras incompreensíveis.

- Capitão... - Ele tentava articular, em meio a baba convulsiva que insistia em escapar por sua boca. - Nós trou... Nós trouxemos... a morte... de cima...

Antes de perder a consciência, o homem apontava pra cima. De início a capitão pensou tratar-se apenas de uma alucinação qualquer, mas ela logo entenderia.

- Fran! - Alerta a primeira imediata Val. - Ali!

E pronto. Ao olhar pra cima, ela entendeu.

Uma enxame de insetos. Como várias nuvens negras vazando por entre as folhagens das copas das árvores, centenas de pequenos mosquitos tomavam o espaço, chegando a tampar a pouca luz que conseguia penetrar na floresta densa. Sabe lá que tipos de doenças exóticas eles teriam para apresentar?

- Porra. - A capitão decretou com firmeza.

Com dois piratas mais fortes carregando o homem inconsciente, a expedição iniciou uma corrida desesperada para escapar dos insetos. Os mosquitos voavam baixo e, a cada picada, ofereciam uma chance de que sua vítima terminasse como o último homem caído.

Fran e Val, na frente, usavam facões pra cortar o matagal. Elas não podiam fazer muita coisa além de torcer para que todos conseguissem terminar a trilha vivos, mas estas já eram esperanças fúteis a esse ponto.

Quando finalmente deixaram os insetos e a mata para trás, alcançando o espaço aberto no alto de um rochedo, a decepção foi tamanha que a capitão caiu de joelhos. Dali de cima, dava para ter uma vista da outra praia. E lá não havia nenhum navio de guerra gigante. Nenhum marinheiro, nada.
E então, juntando todo o seu fôlego...

- PUTA QUE PARIU!

No O Perseguidor atracado na praia, a segunda imediata completamente entediada notava os pássaros da floresta levantando vôo.

- Você ouviu isso? - Ela perguntou para um pirata que passava chupando uma laranja.
- Ein? Não, não ouvi nada. - Ele respondeu, e então continuou seu caminho.
- Estranho... - Ela resmungou, então, apoiando-se sobre os braços cruzados. - Ficar aqui sem nada pra fazer tá me deixando maluca, deve ser isso...

Ela se perguntava de novo por quê não podia ir junto com a expedição. Ela era “a única tripulante de confiança para cuidar do navio”, de acordo com a Fran. Ela devia “esperar ali para que fossem espionar o S.S. Lovemaster e voltassem”.

Ora, mas Alana não queria se sentir inútil. Já não bastasse ser a segunda imediata e ser usada como quebra-galho o tempo inteiro. Ela queria estar na ação, queria fazer a diferença.

E foi por isso que ela saiu do navio, deixando um pirata qualquer no comando interino. E por isso ela se embrenhou sozinha pela mata.

Enquanto isso, Fran estava contabilizando as perdas. Quatro homens haviam ficado pra trás durante a correria. Por mais que ela quisesse salvar todos, ela tinha plena consciência de que não poderia fazer nada por eles. Dos que restaram, parece que ninguém estava infectado. Todos tinham algumas picadas, é verdade, mas o importante é que não houvessem contraído alguma doença. E ela pensava no caminho de volta...

- Vem cá, – Ela chamava atenção de todos. - acho que é melhor a gente esperar até a noite pra voltar, o que é que cês acham?
- Como assim, Fran? - Disse a primeira imediata. - Talvez ainda dê pra alcançar o Lovemaster se a gente sair hoje.
- É, mas e esses mosquitos cara? Se eles pegaram quatro na ida, eles podem pegar quatro na volta. Daí a noite eles devem dormir... - Ela palpitou.
- É, mas de noite podem ter outros bichos mais perigosos ainda!

Os outros dois piratas apenas ouviam em silêncio. Em seus íntimos, eles acreditavam estar condenados de uma forma ou de outra. Afinal, seus nomes nem são citados na história. É claro que eles seriam os próximos a morrer. Ou ao menos era esse o pensamento que os preocupava.

Diante de um impasse de vida ou morte, com seu objetivo muito distante e o único que poderia levá-lo até lá se afastando cada vez mais, a capitão Fran só voltaria para a corrida pelo tesouro se desse muita sorte. O único modo de qualquer coisa dar certo pra ela seria se todas as probabilidades mais remotas de repente virassem a seu favor, como se o destino trabalhasse ao seu lado.

Bom, podemos dizer que foi isso que aconteceu.

- Capitão! - Interrompeu um dos piratas, de repente.

Quando Fran virou-se para ver, ficou atônita. Lá embaixo, andando na areia branca da praia, estava um velho homem completamente nu. Ele carregava um balde de madeira e caminhava sem pressa alguma. Parecia estar indo para o mar.

- ÔOOOOOO! - Ela tenta chamar sua atenção. - ÔOOO VOCÊ!
- Senhor, Fran! - Corrigiu Val.
- SENHOOOOOOR!

O homem a viu, e fez um breve aceno.

E então eles começaram a descer o rochedo. Vou me poupar dos detalhes, mas vale dizer que levaram bastante tempo e ralaram alguns cotovelos. Quando finalmente chegaram lá embaixo e pisaram na areia, Fran foi correndo até o homem. Ela acreditava que ele talvez fosse sua salvação agora. E era mesmo.

- Oi! Oi, senhor!
- Bonjour... - E ela não pôde deixar de notar que ele falava francês.
- O senhor é daqui? Conhece a ilha? - Ela tentava falar devagar, articulando bem.
- Oh, oui, oui! C’est ma maison. Je vis seule ici.
- Sei... - Ela fingiu que entendeu. - Vem cá, você sabe um caminho seguro pra chegar na outra praia? - Ela diz, apontando na direção Leste, onde está ancorado seu navio.
- L’autre plage? Seulement par voie maritime. Puis-je prêter mon radeau, mais comme je sais que ça va revenir?
- Como?
- Mi balsa! Para ir a la otra playa! - O senhor arriscava com espanhol.
- Isso, isso! - Fran começava a entender.
- Necesito de garantías! La balsa es importante para mí!
- Ah, tá! - E então ela finalmente entendeu. - Eles vão até o navio, daí eu fico aqui com você esperando até eles voltarem pra devolver seu barquinho. Pode ser?

Assim, em troca da companhia de uma jovem moça estrangeira, o velho homem nu emprestou sua preciosa jangada. Por mar o caminho seria tranquilo e rápido, ele garantiu, portanto ambos sentaram-se na praia para conversar até que Val e os dois piratas fossem buscar o navio.

A conversa lhe foi mais valiosa do que ela esperava. Aparentemente estavam na antiga Guiana Francesa, ou o que restou dela. E este homem era a população do país, ou o que restou dela. Sozinho aqui, ele não via necessidade de usar roupas, e agora era um só com a natureza.

Ele esteve ali desde o Apocalipse e só viu uma embarcação, três anos atrás, quando o reino de Januário fazia um novo mapeamento dos arredores. Eles tentaram trazê-lo com eles, mas ele não queria sair. Ali era sua terra, e era sua responsabilidade morrer com ela.

Entre um papo furado e outro, Fran acabou revelando-lhe que estava indo atrás do Apocalipsa. O senhor não demonstrou surpresa. Mesmo vivendo isolado dos outros humanos, ele também sabia desta lenda.

- Puesto que los seres humanos siempre están vinculados a la creación y destrucción, cada uno de nosotros sabe por instinto detalles acerca de esta leyenda. Y todos, desde el principio, sabíamos dónde estaba el tesoro Apocalipsa. Se escribe su dirección en todos los mapas. El principio y el fin están escritos en el destino de la humanidad, conectados con nosotros como nuestros brazos y piernas. Si es su destino, llegará a la Apocalipsa. - Ele disse.

Para Fran, toda essa história mais parecia a imaginação de um velho desocupado, mas ele ditava com muita firmeza conhecimentos a respeito de algo que ele não deveria sequer ter ouvido falar. Parecia que ao menos alguma coisa ali era real. O Apocalipsa está conectado à história dos humanos. Mais que isso, está conectado ao destino deles. Ela começou a pensar que, talvez, o seu destino de fato tenha sido esse desde o começo.

Convenhamos, cenários paradisíacos sempre nos permitem divagar um pouco.

Os devaneios da capitão terminaram quando ela viu o O Perseguidor surgindo por detrás da ilha. Era hora de partir. E agora, pela primeira vez, ela tinha uma pista.

- Fran. - Disse Valeska, conforme puxava a amiga para dentro da nau. - A Alana disse que queria falar com você. Parece que ela achou um negócio.

Após acenar para o velho francês, Fran ordenou que alguém descesse com a sua jangada e então foi para sua cabine conversar com a segunda imediata.

O que acontece é que a Guiana Francesa era uma das bases sul-americanas de lançamento espacial. Após o Apocalipse, abandonada em meio à devastação e já com vegetação rasteira crescendo ao redor, o Centro Espacial de Kourou agora parecia um grande museu de peças gigantes e foguetes nunca lançados. Em sua pequena aventura solo pela floresta, foi isso que Alana encontrou. E, na melhor das intenções, ela teve uma ideia...

- VOCÊ TÁ MALUCA? - Os piratas do deque ouviram a capitão gritar com a segunda imediata lá dentro.



O velho nu e a capitão Fran sentados na praia, esperando o O Perseguidor



- Isso aí não vai dar certo.
- Disse o marujo, esfregando o convés com um rodo e um balde.

O marujo Joe Luke sempre foi um rapaz que sabia das coisas. Com um jeito descontraído de ser, humilde e simpático, à primeira impressão ele podia dar a entender que não. Mas, na verdade, ele tinha uma ótima percepção de como os fatos desenrolavam. E, quando Luke dizia que uma coisa não iria dar certo, ela geralmente não dava. Geralmente ele utilizava isso apenas para se manter longe de problemas, poupando-se de se meter em confusões que pudessem estragar seu dia.


- Tenente-capitão! Os bolsões estão em um ritmo muito inconstante! - O segundo-tenente Flávio alertava pelo walkie-talkie.
- Prossiga com o procedimento, Flávio. - Insiste o tenente-capitão Xande Xandão, acompanhando o processo da beirada do deque.

Esfregando o convés, o marujo escutava e apenas resmungava para si mesmo:

- Tô falando...
- Ora, Luke... - Eu disse pra ele. - Por que você tem tanta certeza disso? - Eu também imaginava que não podia sair coisa boa dali, mas gostava de acompanhar as linhas de raciocínio daquele rapaz.
- Cara, desde quando localizaram essa região do oceano no radar, já sabiam que não era um bolsão vulcânico comum. Mesmo assim o capitão decidiu vir até aqui. Parece que ele quer descongelar alguma coisa... Até aí, tudo bem! - Ele analisa o ponto-de-vista do tenente-capitão. - Mas quando analisaram e viram que essas massas de água quente definitivamente NÃO ERAM um evento geológico comum, o melhor era a gente nem ter chegado perto. Mas não, ele decidiu parar o navio bem em cima. - Ele está claramente indignado com a teimosia do tenente-capitão. - Não, vem cá! Vem cá, coloca a mão aqui. Tá vendo? Quente pra caralho. O navio é de metal, cara. A gente tá em uma frigideira gigante!

Já faziam vários dias desde que driblamos o O Perseguidor naquela ilha. Até então não havia nem sinal dele no horizonte, parece que não seriam mais um problema.

E o Luke... Bom, ele tinha razão. Nós estávamos em um navio de metal parado em alto-mar sobre um estranho fenômeno. Correntes de água fervente vinham do fundo até a superfície de tempo em tempo. A princípio pensaram tratar-se de uma fissura tectônica no assoalho oceânico, mas o ritmo e a temperatura ali era muito maior. Tinha algo errado.

Você quer saber o que eu tava fazendo ali, né? Eu estava com os marujos do S.S. Lovemaster desde que ele zarpou. O uniforme me incomodava bastante, por isso eu sempre usava aberto. Tomei várias advertências dos tenentes por causa disso. Disso, da minha barbicha que eu insistia em manter e, principalmente, do Macaco. É claro que não eram permitidos animais a bordo, mas uma vez que já estávamos em alto-mar quando descobriram meu macaco, não havia muito o que fazer. Eles não iriam matá-lo à sangue frio. E, se tentassem, teriam que passar por cima de mim primeiro.

Desde o começo me dei bem com o marujo Joe Luke. Nós divídiamos turnos na limpeza do convés. Gostava de sentar e conversar com ele enquanto não era minha vez.

- Mas, mudando de assunto... - Continuou Luke. - E esse macaco, ein? Eu tô ligado que só deixam ele aqui porque descobriram tarde demais. Mas ele era seu desde o começo?
- Aham. - Disse eu, com o macaco sentado em meu ombro. - Ele nunca saiu do meu pé. Eu não tinha intenção de trazê-lo junto, mas também só percebi que ele veio quando já era tarde demais.
- Haha, entendi. E ele tem nome?
- Tem. Macaco.
- Tá certo... Bom nome.

Um estrondo seguido de um violento chacoalhar do navio interrompeu nossa conversa. Luke e o balde desceram rolando pelo convés conforme tudo inclinou perigosamente. Eu fui arremessado contra a parede do cockpit. Por reflexo, consegui segurar o macaco comigo.

Mas antes de te dizer o motivo desse estrondo, vou voltar um pouco no tempo. O tenente-capitão Xande Xandão, como você bem sabe, havia localizado esse local com o radar submarino térmico. Ele decidiu que era perfeito para tentar descongelar o conteúdo da garrafa. Coisa que, não importa o quanto ele tentasse, ele não havia conseguido até agora.

Ele já havia deixado-a em temperatura ambiente, já havia enrolado-a em cobertores, já havia mergulhado-a em uma panela de água fervente, mas nada era o suficiente. Estes estranhos bolsões de água do fundo oceânico, contudo, alcançavam a impressionante temperatura de 350 graus. Eram eventos rápidos, já que as massas de água só subiam de 15 em 15 minutos, e evaporavam instantaneamente em contato com a superfície.

Xandão não fazia ideia do que causava este fenômeno, mas não estava preocupado em descobrir. Ele iria apenas mergulhar a garrafa ali na hora certa e prosseguir viagem.

Apoiado na cerca da beirada do convés, ele observava conforme alguns marinheiros desciam a garrafa em uma corda de aço. Era uma operação delicada, já que o vidro não poderia rachar de maneira alguma. Para tal, ele deixou a primeiro-tenente Raquel supervisionando. Ela era perfeccionista e cuidadosa, perfeita para a situação.

A despeito dos constantes avisos do segundo-tenente Flávio a respeito da estranha alteração de ritmo dos bolsões ferventes, Xandão manteve a operação e esperava ansiosamente pelo próximo fenômeno. O segundo-tenente, preocupado, alertava-o constantemente que a temperatura estava subindo a cada nova ressurgência de água quente. Para ele, essa era uma notícia mais que bem-vinda.

Por fim, o próximo bolsão subia. Ele notava claramente a ondulação da água. Era uma massa de quase trezentos metros de raio subindo a uma velocidade considerável.

- Agora! - Ele dava a ordem.
- Ok, agora! - Raquel repassava para os marinheiros.

A garrafa, que já estava pendurada próxima da água, foi imersa. A água fervente subiu, esquentando novamente o ambiente e liberando uma profusão de espuma pela superfície.

E foi então que, pela primeira vez naquele dia, Xandão se assustou. Espuma? Droga, ele devia ter pensado nisso. Afinal, era um homem esclarecido. Se fosse apenas água quente, ela se manteria rente ao fundo do oceano, pois as massas quentes tendem a ficar por baixo das frias. Para que ela subisse, ela precisava ser empurrada por alguma outra coisa. Algo, inclusive, necessário para a formação daquela enorme quantidade de espuma...

Ar?

E, se aquele ar estava vindo do fundo do oceano, ele tinha que ter descido ali de algum jeito... Xandão começou a pensar nas possibilidades. Quando ele finalmente estava chegando a conclusão de que poderia ser algum outro tipo de gás, suas dúvidas foram sanadas e suas hipóteses explicadas.

Um estrondo seguido de um violento chacoalhar do navio interrompeu seus pensamentos. E agora, como pode ver, voltamos ao ponto em que eu era arremessado contra a parede do cockpit.

Emergindo da água à nossa frente, causando uma enorme onda que quase virou o navio,estava a maior criatura que eu vi até hoje. Um monstro marinho de proporções épicas, duas vezes maior que o S.S. Lovemaster, que estava vivendo naquela região à sabe lá quanto tempo.

Parecia uma espécie de mutação de uma baleia gigante. Para todos os efeitos era como uma, exceto pelo modo como ela esticava sua coluna para fora da água e, claro, pelas garras gigantes que arranhavam o casco do navio conforme ela tentava agarrá-lo. No fundo do oceano, talvez se alimentando, ela soltava ar regularmente. E, como é de se esperar, hora ou outra ela teria que subir à superfície.

A criatura devia ter um metabolismo extremamente acelerado, pois todo o seu corpo era quente. Não apenas quente, mas fervendo. Eu sentia o calor emanando apenas pela proximidade do monstro em relação ao navio. E as enormes quantias de água que ele respingava e espirrava eram quentes a ponto de fritar um humano vivo.

E foi isso que ele fez.

Inclinando sua enorme cabeça sobre o navio, o monstro escancarou sua bocarra grotesca e despejou uma enorme quantia de água fervente pelo convés. Eu vi homens gritando em desespero conforme sua carne completamente cozida despregava dos ossos e se espalhava pelo chão. Vi rostos desfigurados pelas queimaduras de terceiro grau e botinas derretendo e grudando ao chão pelo simples contato com a água escaldante.

Eu me pendurei como pude nas janelas do cockpit, de forma que aquela água que escorria pelo deque não me tocasse. Luke estava sobre um barco salva-vidas, protegido aproximadamente um metro acima do convés. Ele pegou um rifle e, acredito eu, foi o primeiro a começar a atirar no monstro.

- Formação de combate! Preencham os canhões de estibordo, comecem a manobrar IMEDIATAMENTE! - Gritava o chefe de artilharia, em meio à confusão. - Preciso de um voluntário corajoso pra metralhadora frontal!

De fato, um homem teria que ser muito corajoso ou muito imbecil para manusear a metralhadora frontal naquele momento. O maquinário ficava na ponta da proa, bem em frente ao monstro gigante e seu despejo de água fervente. Por outro lado, era um armamento de altíssimo calibre, e estava apontado exatamente para o ventre da criatura.

A baleia-aberração fechou a boca e, por alguns momentos, pareceu inchar. Como se por algum orifício ela estivesse absorvendo água para despejar novamente.

Os marinheiros sobreviventes no convés atiravam com seus rifles, mas o monstro gigante parecia não se incomodar com isso. Seria necessário apostar nos canhões, mas era impossível manobrar o navio enquanto aquelas garras gigantes o seguravam.

O tenente-capitão gritou por Raquel, mas ela estava ocupada demais socorrendo um ferido e tirando-o da zona de risco. Ele então correu pelo convés até o cabo de aço e começou a puxá-lo sozinho. Não é como se ele não se preocupasse com o que estava acontecendo com seus marujos, mas tudo isso seria em vão se eles perdessem a garrafa agora.

Eu fui até ele e o ajudei a puxar o cabo. Ele não sabia, mas aquilo também era importante pra mim.

Quando terminamos, foi notável o alívio em sua expressão ao ver que a garrafa estava intacta e, principalmente, descongelada. Não havia mais névoa ali. Maravilhados, nós observamos por um momento o conteúdo dela.

Mas não havia tempo para fascinação. Uma nova onda de água fervente descia correndo pelo convés, conforme o monstro tentava varrer toda a vida no navio. Pulamos para tomar cobertura, cada um para um lado. O Macaco gritava e esperneava irritado no meu braço. Criatura imbecil, esbravejava como se tivesse alguma chance contra aquela coisa...

Foi então que eu ouvi os tiros. Digo, é claro que eu já estava ouvindo tiros há algum tempo. Mas aqueles eram mais altos, mais insistentes, mais fortes. Alguém realmente havia pego a metralhadora frontal, afinal de contas. Mas quem?

O chefe de artilharia Daniel era um bom homem. Antes do Apocalipse, sempre foi esforçado em tudo o que fez. Casou-se, teve dois filhos, um emprego fixo. Depois, quando todo o seu esforço foi destruído pelas águas e parecia não haver mais esperança, ele juntou tudo e entrou para a marinha. Precisava de segurança para a família em tempos de crise.

Naquele momento, manuseando a enorme metralhadora frontal do navio e recheando o ventre do monstro-baleia de projéteis anti-tanque, ele sentia os respingos ferventes queimando sua pele. Ele sabia que era um ato suicída, mas alguém tinha que fazê-lo. Um por todos...

Finalmente demonstrando sinais de sentir dor, o monstro-baleia faz um triste e grave som de angústia, soltando o navio e recuando alguns metros. A água que escorria por sua grotesca boca agora caía descoordenada por toda parte. Daniel via seu fim vindo sobre sua cabeça em forma de uma grande massa d’água esfumaçante. Ele teria morrido.

Teria, não fosse pelo puxão de Flávio, tirando a maior parte de seu corpo da linha de perigo.

O navio finalmente aproveitava a chance para manobrar. Ele virou-se de lado para o monstro-baleia. Ao som de ensurdecedores estouros de disparo, uma chuva de balas de canhão perfurou seu corpo em um instante. A criatura urrou, sangrou e recuou novamente, mergulhando no oceano para nunca mais voltar.

O mar começou a estabilizar novamente. As enormes ondas causadas pela movimentação do monstro amansaram e cessaram. Os últimos filetes de vapor de água fervente ganharam os céus. A calmaria tomou conta.

Uma vitória, é verdade. Mas uma vitória triste. Corpos e feridos espalhados pelo convés manchado em sangue e água salgada. Choros baixinhos de dor eram ouvidos por toda parte. Os sobreviventes intactos e semi-intactos ajudavam seus companheiros como podiam. Os corpos eram cobertos por capas pretas.

Daniel, nos braços de Flávio, fazia uma forte careta de dor conforme tentava sentir seu braço direito. Mas ele não estava lá.

Os dois eram muito parecidos, exceto pelo fato de que o chefe de artilharia era mais baixo e troncudo que o segundo-tenente. Eles não possuíam qualquer relação familiar, mas suas feições faziam todos pensarem que eram irmãos. O fato de serem amigos e estarem sempre juntos sempre ajudou na confusão.

- Calma, cara. Respira. - Flávio tentava mantê-lo firme.
- Meu braço... O que aconteceu com o meu braço? - Daniel perguntou. Ele não queria olhar, não tinha coragem.
- Vai ficar tudo bem. - Flávio mentia.
- Me responde! O que aconteceu com o meu braço? - Ele vencia a dor para falar.
- O seu braço já era, cara... - Ele disse de uma vez. - Mas o importante é que você vai sobreviver. Vai dar tudo certo. - Ele mal acreditava nas próprias palavras.

A água escaldante levou o braço do chefe de artilharia como se não significasse nada. Sobrou apenas uma porção de osso dependurada em meio a restos de carne queimada.

Alguém chegou para ajudar. Trazê-lo para a enfermaria.

Enquanto isso, Xande Xandão entrava em sua cabine com a garrafa. Tive o impulso de pedir para entrar junto, mas me contive. Eu deixaria ele cuidar disso. Não queria chamar muita atenção.

Ele tirou a farda, pendurou a espada. Com calma, sentou-se atrás da escrivaninha e segurou a garrafa a frente de seu rosto. Ela não era mais gelada, então ele não precisou de um pano para manuseá-la dessa vez.

Ele encarava o conteúdo com serenidade. E, com a mesma serenidade, o conteúdo o encarava de volta.

Uma pequena fada, não maior que três centímetros, flutuava ali dentro. Ela era azulada, e suas asas transmitiam um constante e fraco brilho de mesma cor.

- Qual o seu nome, amiguinha? - Xande perguntou.

Não houve resposta. O nome é a coisa mais importante para uma fada, revelá-lo é como entregar a própria vida em uma bandeja. Já haviam alertado isso para o tenente-capitão. Ele só estava testando.

- Ah, não vai responder? Tudo bem, então eu escolho. Eu vou te chamar de Soneca.

Um apelido apropriado. A fada não conseguiu evitar uma expressão de espanto. Todo esse tempo, protegida de olhos curiosos pela névoa gélida da garrafa, ela hibernava tranquilamente. Mas, como esse homem sabia o que ela estava fazendo? Quem era ele?

- O que você quer? - Pela primeira vez, ela falou. Sua baixa voz, mesmo amplificada pelo eco da garrafa, só era ouvida pois a cabine estava em um silêncio sepulcral.
- Você sabe o que eu quero. - Disse o tenente-capitão. - Eu quero chegar no Apocalipsa.
- Eu não vou te levar lá. - A pequena criaturinha afirmou com vêemencia.
- Você tem que me levar lá. Senão você nunca vai sair dessa garrafa. - Xande não gostava disso, mas ele tinha que ameaçá-la para conseguir o que queria.

A fada se calou por alguns instantes.

- Você é ruim, humano. - Ela disse, por fim.

Xande não disse nada. A fada não o conhecia, ela não sabia nada sobre ele. Ele apenas guardou a garrafa e pegou sua farda, saindo da cabine em silêncio.

Do lado de fora, médicos e marinheiros socorriam os homens feridos em uma correria e gritaria generalizada. Não havia mais tempo para lamúrias, os homens corriam contra o tempo para salvar o maior número de marujos que fosse possível.

A primeiro-tenente Raquel aproximou-se apressada do tenente-capitão:

- Xandão, acho que você precisa ver isso. - Ela disse.

Concordando com a cabeça, Xande Xandão acompanhou-a até a beirada do deque.

- Ah, não... - Ele resmungou baixinho, embasbacado.

A primeiro-tenente ofereceu-lhe um binóculo, mas ele não precisava disso. Não, ele já havia reconhecido aquela nau à distância. Ele jamais havia visto uma embarcação viajar tão rápido, nem antes do Apocalipse.

Cortando o horizonte, o O Perseguidor ultrapassava o S.S. Lovemaster à uma velocidade inacreditável.



A baleia-monstro ataca o S.S. Lovemaster



Tenente-capitão Xande Xandão conversando com a fada Soneca



Macaco, o macaco


Francis Franco ainda não acreditava que aquilo realmente estava funcionando.

Segurando-se ao leme com todas as suas forças para não ser arremessada para fora do navio, ela via o S.S. Lovemaster sendo rapidamente deixado para trás. Sua incredulidade era tanta que ela teve que expressar-se verbalmente.

- Cacete! Eu quero dar um beijo na Alana! - Ela gritava, para que pudesse ser ouvida em meio à tanto barulho.
- Né?! - Gritou a primeira imediata, também segurando-se como podia no navio.

Elas levaram dias na ilha da antiga Guiana Francesa, com todos os piratas trabalhando duro por tempo integral até que tudo estivesse pronto para a partida. O tempo todo, Fran não tinha certeza se a ideia da segunda imediata Alana daria certo, mas ela não tinha nenhuma melhor.

Mas deu. E agora, com foguetes da antiga Nasa acoplados dos dois lados da nau, o O Perseguidor viajava rápido como um... Raios, viajava rápido como um foguete.

O som do vento que passava pelo navio, das águas sendo cortadas pela proa e das turbinas queimando combustível espacial era ensurdecedor. Ela mal podia ouvir os próprios pensamentos.

Mas elas não conseguiriam aquele combustível de novo, portanto estavam economizando. Para isso, o navio alternava periodicamente entre viagem a vela e “a jato”.

- Ok, desliguem os foguetes! - A capitão gritou para a tripulação.

As enormes turbinas começaram a parar, esfriando lentamente. O navio, ainda sob o grande impulso, continuava a cruzar os mares em alta velocidade. Levaria um tempo para que Fran mandasse arriar as velas. Se fizesse isso cedo demais, poderiam rasgar com a pressão.

Agora, com menos barulho, era possível conversar com mais calma:

- Você tem certeza que é pro Norte, Fran? - Perguntou a primeira imediata.
- Tem que ser, cara. Se não for, eu faço questão de voltar tudo isso pra encher aquele velhinho safado de porrada.

O homem disse que todos os mapas apontavam a direção do Apocalipsa. Ele só podia estar se referindo ao Polo Norte, já que as cartas costumam ter a direção Norte demarcada como referencial. O fato do S.S. Lovemaster também estar indo para aquele lado era apenas uma coincidência mas, para Fran, serviu como um indício de que estava na direção correta.

Com a mão em frente a boca, ela tossiu uma ou duas vezes. Em seguida, apressada, virou-se e foi em direção à sua cabine.

- Tá tudo bem, Fran?
- Tá sim. - Disse a capitão. - Já volto, cuida aí!
- Ok.

Entrando na cabine, ela rapidamente procurou um pano. Sua mão estava com muco ensanguentado. Ela já estava se sentindo febril ultimamente, mas disso pra tossir sangue?

Enquanto limpava a mão, Fran ficou preocupada. Ela provavelmente havia contraído algo dos insetos da ilha. Em seu íntimo, torceu para que fosse passageiro. Um pouco mais íntimo, ela sabia que não era.

Colocando a mão na testa, a capitão teve a ligeira impressão de que sua febre aumentou um pouco mais. Ela estava se fazendo de forte em frente aos seus tripulantes, incluindo as duas imediatas. Não queria que se preocupassem, nem que achassem que isso iria atrapalhar seus objetivos. Mas nos últimos dias isso estava se tornando cada vez mais difícil. Se manter muito tempo de pé lhe cansava demais. E logo iriam perceber que ela não estava comendo tanto quanto antes...

Fran bebeu um copo d´água e rezou para que o Apocalipsa estivesse próximo. E então, uma comoção lá fora chamou sua atenção.

Ela abriu a porta da cabine e colocou a cabeça para fora, tentando entender porquê estavam comemorando.

- Terra à vista, Capitão! - Gritava alguém. - Terra à vista!

E ali estava. Surgindo no horizonte, em meio à imensidão de azul, uma gigantesca ilha. Era como o pico de uma montanha erguendo-se para fora da água. De um lado, um declive bastante inclinado. Do outro, ela se dividia em cinco níveis, como os degraus de uma enorme escada. Cada um dos níveis parecia ter uma flora claramente diferenciada em cores e formatos, como se a mudança de altitude fosse o suficiente para que alterasse completamente o bioma local. O próprio céu era de um azul um pouco mais claro naquela área, como se a ilha estivesse envolta em uma aura diferenciada. Era lindo, confuso, bizarro e selvagem. O Apocalipsa tinha que estar lá. Ou ao menos eram essas as esperanças da capitão Francis Franco.

O sol já se punha enquanto o O Perseguidor aportava em uma praia esverdeada.

Enquanto isso, há vários e vários quilômetros de distância, o S.S. Lovemaster prosseguia navegando. O tenente-capitão Xande Xandão de tempo em tempo se recolhia à sua cabine para verificar a trajetória com sua informante secreta. Por mais de uma vez ele me encarou de longe com uma cara fechada. Era claro que ele esperava meu silêncio a respeito do nosso pequeno segredo azulado. E ele teria.

- Você ouviu falar? - Disse Luke pra mim. 

Dessa vez era ele quem estava sentado, e eu quem varria o convés. O Macaco não ajudava em nada, enfiando a cara no balde de água com sabão e derrubando-o mais de uma vez. Mas eu não me estressava, não é como se tivesse alguma pressa.

- Depende. O quê? - Eu perguntei.
- O braço do chefe de artilharia...
- É, ele perdeu no ataque do monstro-baleia. Eu cheguei a ver, tava feia a coisa.
- Não, não. Depois disso.
- O que houve depois disso?
- Disseram por aí que ontem a noite ele foi dormir e, hoje de manhã, acordou com o braço inteirinho.
- MAS EIN!? - Eu gritei. O Macaco se assustou e acabou derrubando o balde de novo.
- Pois é. O braço surgiu no lugar de repente. Ninguém consegue explicar, nem ele. Tem cara falando por aí que a nossa viagem é abençoada.
- Capaz... - Cínico, eu disse. - Somos só um monte de capachos indo buscar uma arma nova pro reino de Januário ameaçar os outros. Não tem nada de sagrado nisso, Luke.
- Uhm... - Luke se calou, finalizando o assunto. Eu sei que ele não achava a viagem sagrada, mas talvez no fundo quisesse acreditar nisso. Teria sido mais simples.

Deixei o assunto morrer e levei o balde vazio para encher de novo. Notei que o céu estava limpo e o mar, calmo. Teríamos um bom dia de viagem amanhã. Ótimo.

2 comentários:

Cayque Rodrigues disse...

O que fada Soneca tem a dizer?

Quantos monstros mais aparecerão nesse mar de meu deus, além da baleia-chaleira-monstro?

Quais são as intenções do narrador-personagem com a fada Soneca?

Quais foram os planos de Alana sobre o centro espacial da Guiana Francesa?

O que Xandão fará em relação ao reaparecimento d'O Perseguidor?

CÉÉÉÉUUSS, APOCALIPSA É MOINTA EMOSSAUM!

Gam disse...

HAHA, adoro ver que tem gente se divertindo com a história. x)

Capítulo 6 postado.
Pelo menos duas das suas perguntas estão respondidas nele.