domingo, 26 de janeiro de 2014

Bacon, dois, quatro, pisa pisa pisa.

Estou sozinho. Minhas pernas ainda cansadas da escalada da noite anterior, minhas botas furadas. O lugar é um dos meus bares preferidos na cidade. Ali você encontra pessoas das mais variadas idades e caras, é um ótimo lugar pra ser você mesmo. A entrada não tem placa ou nome algum piscando, se resume à um muro sem graça com alguém sentado na porta. O interior é um buraco escuro embaixo de um hostel barato. Paredes de tijolo à mostra, alguns panos no teto de madeira escondendo o estrago que os cupins fizeram outrora. Mesas de sinuca antigas, rock de bom gosto tocando. Uma televisão muda no canto passa em close-caption documentários sobre aventureiros, alpinistas, gente interessante. Uma entrada nos fundos com cortinas de açougue separa do próximo ambiente, igualmente escuro mas com ar-condicionado e música mais barulhenta. Cerveja, só em dinheiro.

Eu cheguei mais cedo que o resto. Ainda é cedo, o bar está relativamente vazio. Eu posso pegar uma mesa sem ter que negociar com ninguém, pra variar. Compro minha cerveja, vou beber no gargalo. Pego a mesa que fica bem no meio do salão. A luz da lâmpada de ferro pendurada balança lentamente, iluminando os vários rabiscos que muleques bêbados fizeram na mesa com o giz. Arrumo as bolas, posiciono a branca em cima do ponto de início, onde riscaram um A dentro de um círculo. Dou a primeira tacada. A bola passa por cima de um pentagrama gloriosamente torto e mal-feito e encaçapa uma de cara. Bom sinal. A noite começou bem.

O legal de ser horrível em sinuca é que jogar sozinho se torna uma experiência emocionante. Um jogador decente simplesmente passa o tempo, relaxa ou se entedia enquanto encaçapa cada bola em cada tacada. Mas quando estou jogando, eu posso perder sozinho. Eu contra meus próprios demônios. Cada erro é um ponto pra eles. É isso o que sempre fizeram, se alimentando dos meus deslizes. Eu tenho todo o tempo do mundo pra planejar cada tacada, mas minha mão nem sempre me ajuda, muito menos meus olhos míopes. Sem jogar, meus demônios encaçapam impiedosamente.

Eu ganho a primeira. Na segunda vez, encaçapo a última bola ao mesmo tempo que a bola branca se suicída. Considero um empate. Na terceira vez, eles ganham com uma facilidade revoltante.

Eu me concentro. Compro outra cerveja. Preciso ganhar uma pra empatar, afinal um empate é o mínimo que se espera de uma pessoa jogando contra ela mesma. Sozinho em um bar escuro, perdendo pra minha própria habilidade miserável, me dou conta de minha insignificância. A sinuca se tornando um interessante exercício de humildade, conforme eu noto que mal sou capaz de lidar com meus próprios erros. Me pergunto se eu já sabia disso e só estava me lembrando, ou se acabei de aprender. Me pergunto se é um momento razoavelmente justo, ou se deveria ter sido mais cedo. Penso em me comparar com outras pessoas, mas o exercício por si só me ensina a não fazer isso. Eu perco de novo. Três pra eles, um pra mim, um empate.

Eu coloco outra ficha, arrumo as bolas. Vai ser um longo caminho até eu alcançar a pontuação dos meus demônios internos, mas tenho paciência. Preparo pra primeira tacada, ajeito os óculos, respiro fundo. Mas um rosto conhecido me faz interromper o movimento. É o Panda, virando o corredor e se aproximando. É isso, nosso acerto de contas tem que ficar pra mais tarde.

Inevitavelmente, perco pra ele também. É, um exercício de humildade.